sábado, 25 de dezembro de 2010

Pequena felicidade


Concluí, hoje, a leitura do livro de contos: O tempo envelhece depressa, do autor italiano Antonio Tabucchi, e gostei muitíssimo do que li. É a primeira vez que leio algo dele e me senti entusiasmada pelo estilo de sua escrita, muito particular e intencionalmente apropriada no que diz respeito ao tema do livro: o tempo. Por vezes, a descriçao das cenas, dos diálogos, ou dos pensamentos fluem sem interrupção. Sem uma pausa, sem a necessidade de um novo parágrafo, por exemplo. Em outro momento, por intermédio de uma breve e singela descriçao de um instante, é possível captar toda a potencialidade de uma imagem, de uma ação, graças a uma síntese de centenas de palavras. E aí reside toda a magia do processo çriativo da escrita, que ora requer um burilamento dos vocábulos, ora "brinca-se" com os próprios recursos que os fundamentos da literatura nos oferecem.
Particularmente, encantei-me com o último conto denominado Contratempo. O título, em si mesmo, já dá pistas sobre aquilo que escritor pretende refletir, ou seja, o tema da atemporalidade, nas dimensões do passado, presente e futuro. Na concisa narrativa, surgem vários elementos que irão fomentar esta discussão em torno do tempo. E, em minha opinião, considero que o autor italiano adote um caráter de suspense, ao elencar memórias, lembranças, fotos etc. Além de reminiscências de um passado, que por vezes mescla-se a um futuro, em situações que remetem a um dejá vu, provocando o leitor a reler o conto várias vezes para melhor comprendê-lo.
E, foi diante desta miríade de situações e paisagens, que encontrei a descrição de uma bela cena pela qual fiquei verdadeiramente impactada. O personagem do conto desembarca em Creta, na Grécia, aluga um automóvel e decide seguir o seu percurso por uma estrada à beira-mar. Diminutas e precisas são as informações. Outrora, esta regiáo grega fora dominada pelos turcos e em outra época pelos venezianos. Assim, este homem decide parar por um instante em um bar e pedir um café turco e um sorvete de limão. E a este espaço de tempo destinado ao seu deleite, a um não fazer nada, a desfrutar de um momento que reúne todo o manancial histórico quase arqueológico de uma civilização, ele chama de pequena felicidade. Daí todo o meu encantamento e êxtase. Estar disponível e aberta para vivenciar e presentificar de forma integral e verdadeira um instante. Li e reli várias vezes o conto, mas confesso que detive-me demoradamente neste trecho da estória com a intenção de "degustar", apreciar itensamente aquilo que foi escrito. Como se desta forma eu pudesse ficar impregnada desta passagem...
Amanhã, regressarei a São Paulo. Aqui, em Águas de Lindóia, felizmente, pude viver pequenas felicidades. A imagem que ilustra este post era o meu cenário particular ao ler este livro.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Viver um instante

Com a proximidade do término de um ano, em termos cronológicos, paira no ar uma atmosfera de "fechado para balanço".
Crio suposições acerca de toda a carga de pensamentos que se avolumam em torno de tudo aquilo que foi feito ou deixado de fazer. Os pesares, os arrependimentos e os esquecimentos. As conquistas, os ganhos e os progressos. As dúvidas, as inquietações e as perdas. Os experimentos, as inovações e as mudanças. Todo este pensar e refletir coletivos de alguma maneira, a meu ver, ganha um formato e se corporifica, tornando-se uma entidade também grupal, tamanha é a pressão do todo para que vibremos nesta direção. Explico-me melhor.
Recebemos mensagens originárias de diferentes remetentes: amigos, bancos, lojas etc. No entanto, os conteúdos muito se assemelham. Há uma tendência atual de minimizar os sofrimentos e as mazelas, que porventura tenham sido vivenciados, e sobrevalorizar as aquisições futuras. Depositando-se, assim, uma exagerada expectativa no amanhã. Como uma gangorra, ora somos convidados a fazer o "check list"do ano que se esvai; ora somos incitados a elaborar uma lista de projetos vindouros. E se conjecturarmos que todas as pessoas ao nosso redor também estejam sendo arrastadas por esta oscilação, perdemos a oportunidade de seguir o fluxo natural da vida, acabando por nos perder no mar da inquietação e dos desejos coletivos. Deixamos, talvez, de apreciar a beleza de uma flor disposta em um arranjo de uma mesa natalina. Acabamos por não estar atentos em uma conversa informal com um colega de trabalho em uma festa da empresa. Evitamos nos emocionar no último dia de aula de nosso filho. Renunciamos, enfim, a todas as chances de estarmos presentes e de viver cada instante de nossas vidas, já que as algemas do passado e a sedução do futuro parecem muito mais convidativas.

Sobre o feminino

Cá estou, em Águas de Lindóia, lugar para aonde migramos sazonalmente, em busca de sossego e bem-estar. Como não poderia ser diferente, vim acompanhada de meus livros. Escolhi exemplares apropriados para períodos de férias, aqueles que contemplam conteúdos menos densos e proporcionam uma leitura mais ligeira. O primeiro deles: O clube do tricô, da canadense muito norte-americana Kate Jacobs, escolhi por acaso em uma visita despretensiosa à livraria da Vila da Fradique Coutinho. Não sei se o mesmo acontece com você, mas para mim, há livros a serem comprados em livrarias específicas. Na Cultura, por exemplo, vou sempre em busca de algo pré-determinado, previamente pensado e escolhido. Na Saraiva e na Livraria da Vila, as compras são de caráter aleatório, mais descompromissado. O que pode reservar boas surpresas. O mesmo pode-se dizer da Fnac.
Em dois dias, pude ler as 439 páginas do romance e mergulhar fundo na história de várias mulheres, de diferentes gerações e distintas percepções de mundo. Todas, de alguma forma, estavam entrelaçadas pelas tramas de um trabalho de tricô. Como se assemelhando à grande teia da vida. É interessante perceber como as características do feminino se desdobram e se replicam em várias culturas e sociedades. Há algo intrinsecamente típico da feminilidade que se mantém vivo e que pode ser reconhecido e perpetrado ao longo dos tempos. Mas falo de algo muito íntimo e pessoal. Temas muito particulares e próprios que se autosustentam e sobrevivem às revoluções históricas, às impactantes mudanças culturais, aos modismos e às tendências. E seus rastros podem ser seguidos em manifestações artísticas, principalmente aquelas produzidas pelos próprios punhos de mulheres. Feminismo à parte, trato aqui da atitude verdadeira de entrega e visceralidade que um livro, uma escultura ou uma pintura exigem.
E, para mim, as grandes obras de arte, as imortais, têm em si esta vocação (além de um destino), a de convidar a humanidade a sorver um pouco de sua própria fonte de beleza, sabedoria, espiritualidade e autoconhecimento.
O livro O clube do tricô, não é uma obra-prima. Na verdade, aproxima-se mais de um bestseller; no entanto, possibilita bons momentos de reflexão. Vale ler.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Além das fronteiras


Impressionou-me enormemente o filme argentino “Abutres”. O tema é bastante inóspito e raro nos cinemas. Trata-se de um olhar particular sobre a vida das pessoas envolvidas no lucrativo negócio de processos, movidos contra as seguradoras de automóveis, em decorrência de acidentes com vítimas. Há toda sorte de situações. Assim como diferentes são os personagens.
No entanto, despertou a minha atenção a atmosfera angustiante, sem sentido e sem rumo presente na vida das pessoas. Muitas delas se assemelhando a zumbis, passando pelas situações sem esboçar sentimentos, reativamente ou "sonambulicamente".
Por curiosidade, busquei o termo abutre na Wikipédia e resgatei uma informação esquecida por mim. Sabidamente, abutres são aves de grande porte “que se alimentam de restos orgânicos (plantas e animais mortos)”, porém vale frisar que eles os reciclam e os retornam “à cadeia alimentar para serem reaproveitados pelos demais organismos vivos”. Assim, é preciso observar que os abutres fazem o “trabalho sujo” para manterem os demais seres vivos.
Ao assistir ao filme, a sensação que tive era a de me deparar com um mundo paralelo, muito próximo da criminalidade, da marginalidade e da exclusão. Porém, ao distanciar-me do tema em si, que permeia o filme, é possível resgatar as pessoas e suas histórias pessoais. Na verdade, o que o filme revela é a realidade por trás dos múltiplos mundos simultâneos existentes em nossa sociedade e sobre os quais não nos damos conta, não temos referências ou, muito provavelmente, buscamos rejeitar ocultando-os.
Questiono-me, então, sobre qual o papel que desempenhamos na vida. E sobre qual é a nossa percepção sobre tudo aquilo que há ao nosso redor. E concluo que seja imprescindível ampliar a nossa visão de mundo para além dos muros de nossos jardins. Para além das fronteiras de nosso conhecimento.
Não perca o filme.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Uma pausa


Há dias que venho me sentindo verdadeiramente embotada e não consigo me dedicar à prazerosa atividade de escrita para o meu blog. Várias poderiam ser as justificativas para este acontecimento. As festividades de final de ano que nos impõem um ritmo frenético de comemorações e despedidas (por vezes intermináveis). Amigos e familiares ansiosos por encontros apressados com o pretenso propósito de celebrar o ano que está findando. E se todas estas situações se potencializam na cidade, há que se refletir também sobre o caótico trânsito a que devemos nos submeter.
Mesmo em meio a este turbilhão de eventos, encontrei um tempinho para ir assistir ao filme documentário José e Pilar, que retrata um período recente da vida do escritor português José Saramago. E fiquei muito surpresa. Eu não tinha informações prévias sobre sua esposa Pilar e fiquei estarrecida diante de sua postura sempre autoritária, manipuladora e arrogante. No filme, Saramago já tem um pouco mais de oitenta anos e, por determinação de sua esposa, vive cotidianamente um périplo: percorrendo aeroportos, concedendo entrevistas, dando autógrafos, participando de premiações. Raros são os momentos em que ele pode sentar-se diante de seu computador e escrever.
Somente quando adoece, o autor retoma o seu contato com a escrita. Como um refúgio, um oásis. Um grande momento de libertação. Um exercício de si mesmo totalmente desvinculado de ações práticas, corriqueiras e dos tão enfadonhos “compromissos”. E, felizmente, Saramago consegue concluir seu livro “A viagem do Elefante”, de cunho autobiográfico e sempre embasado em grandes alegorias e epopéias, bem ao estilo do escritor luso.
Ainda não li o livro, mas já o incluí em minha lista. Porém, ainda me pergunto por que Saramago sucumbiu a esta rotina avassaladora. E por que eu, também, fui arrastada por esta corrente.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Uma vida, uma mentira


Por que as pessoas insistem em repetir fórmulas e modelos plagiados de trajetórias de terceiros, sem nenhum significado subjetivo e, obviamente, descolados de sua própria vida pessoal? Falta de autoconfiança? Sentimento de menos-valia? Total desconhecimento de sua verdadeira natureza?
Ao elencar estas possibilidades, pude sentir e visualizar a figura de uma espiral, sem grandes platôs, ora se assemelhando a um tufão ora se configurando em uma queda de um precipício. Talvez sejam estas as emoções vividas por aquele que está ausente de si mesmo e sucumbido ao outro. Ora falta-lhe o ar, a respiração está mais curta, os níveis de estresse e ansiedade altíssimos. Como um furacão, destrói tudo a seu alcance. Ou então, por outro lado, sente-se deprimido, desfalecido, sem energia. Isolado, em silêncio e com vontade de dormir, apenas. Em queda livre.
Talvez por pura sincronicidade, estas questões estavam muito presentes, dentro de mim, quando fui assistir ao recente filme de Woody Allen: “Você vai conhecer o homem dos seus sonhos”. Para alguns críticos e espectadores, o filme foi considerado um tanto melancólico, e, portanto “negativo”, por apresentar diferentes histórias que convergem para o mesmo núcleo: fracasso, tédio, desesperança, solidão, traição.
Eu, pessoalmente, gostei muito do longa-metragem pela oportunidade que Allen nos oferece de vivenciar as mentiras adotadas por cada personagem e as estratégias, por eles escolhidas, para a manutenção destas condutas. Instaura-se, assim, uma grande ilusão de estar vivo. Como se fosse um bando de espectros ambulantes, porém, voltados para as expectativas do outro e para o outro. E de forma bem humorada e até mesmo ácida (predicados típicos do cineasta), ao longo do filme os personagens podem trocar de atributos e experimentar o tão sonhado “outro lado”. E a conclusão a que cheguei é a de que ainda permanece a sensação de vazio, de incompletude.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Um legado para o futuro


“Cada um representa um pedaço de um agrupamento maior.” Esta frase foi pronunciada, de uma maneira muito emocionada, pela coordenadora da escola em que meu filho cursa o 2º ano do ensino fundamental. E o momento do discurso não poderia ser o mais apropriado: uma apresentação musical das 150 crianças da escola para seus familiares, reunidos em uma singela celebração para eternizar o término de um ciclo, já que, em 2011, os alunos serão reunidos em novas turmas em outra unidade da escola.
Para nós, pais, foi tocante encontrar as crianças sentadinhas nos degraus do pátio, ansiosas pela nossa chegada. Todas estavam vestidas com camisetas estampadas com a foto da produção artística elaborada, em grupo, por cada classe, como se fosse um trabalho de conclusão de curso (uma grata surpresa para nós).
A nova mescla de crianças já sugeria as futuras composições a serem feitas, como diferentes rearranjos e possibilidades. E, foi a partir dessa inédita grande composição, que pude captar a beleza e a importância de um rito de passagem. Cada criança, cada pequeno ser trazia estampado no peito o seu próprio legado. Uma maneira simbólica de representar toda a trajetória vivida por cada um deles.
Aliás, a meu ver, este era o escopo conceitual por trás de toda a iniciativa da escola, já que a apresentação musical encerrou uma manhã de brincadeiras e atividades típicas do período escolar pregresso das crianças. Como se elas pudessem voltar no tempo, entrar em contato com momentos importantes de suas vidas, e de forma serena e amadurecida encerrar um período. Como estes momentos são significativos em nossas vidas! Ter a feliz oportunidade de viver a vida intensamente, etapa por etapa. Concluindo ciclos e abrindo espaços internos para o novo.