sexta-feira, 22 de abril de 2011

Em rota de fuga


Ao sintonizar alguns canais de tv, ontem à noite, deparei-me com o programa da apresentadora Oprah Winfrey, que chamou a minha atenção, e me levou a assisti-lo. Tratava-se de uma entrevista com Susan LeFevre, uma norte-americana, branca, de pouco mais de cinquenta anos, que conseguiu permanecer, por 32 anos, foragida da polícia. Ela havia sido condenada a 20 anos de reclusão sob a acusação de consumo e tráfico de drogas. A acusada sempre alegou ser inocente, justificando-se que portava uma pequena quantidade de heroína, e que apenas vendia drogas aos amigos para poder manter o seu próprio vício.

Na época em que fora presa, Susan obteve garantias verbais de seu advogado de que conseguiria uma liberdade condicional, caso declarasse ser culpada. Porém, isto não ocorreu e ela foi condenada à pena máxima de 20 anos. Sua família não apelou contra a decisão judicial e afastou-se dela. Após 6 meses na prisão, ela recebeu a visita inesperada de seu avô, um homem bastante íntegro segundo o seu depoimento, que a convenceu a fugir da prisão mediante um plano que ele mesmo havia arquitetado. E assim se sucedeu. Ela conseguiu escapar da prisão, considerada de segurança média, e rumou para Califórnia, na costa oposta à sua residência natal. Ela passou a se chamar Marie Walsh.

Durante cerca de 8 anos, ela usou números incorretos da previdência social para se empregar, mudando constantemente de funções. Ela pôde se libertar dos vícios e passou a viver uma vida íntegra e regrada. Sequer ela pôde sofrer uma multa de trânsito. Tampouco ela pôde comparecer ao enterro de sua mãe.

Então, ela conheceu Alan que se tornou seu marido e pai de seus 3 filhos. Eles construíram uma família estável, harmoniosa. Marie manteve o seu segredo guardado e não o compartilhou com ninguém. Sua família original sabia de sua fuga mas, por medida de segurança, mantiveram-se totalmente afastados.

Sobre este longo período de fuga, detive a minha reflexão. Esta mulher fugiu de sua história pessoal por 32 anos. E sempre com a sensação de que, logo ali, na esquina, alguém a estivesse espreitando.

No entanto, em uma manhã, ela foi suspreendida pela polícia federal. Ela estava simplesmente cuidando das flores de seu jardim. Todo o seu segredo fora revelado. Seu marido e filhos ficaram estarrecidos, mas aos poucos, puderam apoiá-la. Ela permaneceu na prisão por 13 meses quando finalmente foi absolvida. A Suprema Corte americana considerou que ela estaria isenta de cumprir o total da pena por ter conseguido manter sua idoneidade moral por 32 anos.

Minha reflexão sobre esta história durou um bom tempo. Fiquei me perguntando se esta trajetória poderia ser uma alegoria para o que fazemos, muitas vezes, em nossas vidas. Muitos de nós somos fugitivos de nossas próprias histórias antigas, que nos perseguem e nos atormentam e com as quais às vezes não conseguimos lidar. Podemos escolher encará-las, enfrentá-las e dar um novo significado para todos os acontecimentos. Ou, por outro lado, podemos continuar em rota de fuga permanente. Como animais que temem o ataque do predador. Tudo isto à custa de elevadas taxas de cortisol, uso abusivo de soníferos e antidepressivos, álcool etc.

E, por vezes, quando o segredo é revelado, perde-se o rumo e o sentido da vida. Deixa de existir a necessidade de fugir. Foi o que percebi no olhar da americana Marie. Ela está livre, absolvida, porém amedrontada e perdida. De uma certa forma, ele teve de encontrar estratégias e forças internas pra seguir fugindo. E agora surge um grande vazio, o que poderia ser um imenso alívio. Como se ela precisasse colocar algo no lugar.

Talvez seja justamente isto que fazemos. Como se não fosse possível viver sem as algemas que nos prendem a um passado longínquo. Como se não pudéssemos ser verdadeiramente livres e conduzir nossas próprias vidas.