segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Um feminino dilacerado


Acredito que muitas vezes o nosso destino já esteja delineado há muito tempo. Tanto em decorrência de nossas ações pregressas (em vidas passadas, para aqueles que acreditam nesta possibilidade de existência), quanto a partir das trajetórias vividas ou não por nossos ancestrais.
Minha afirmação está embasada em experiências próprias e muito particulares, que fui colhendo ao longo da vida, a partir de meus aprendizados pessoais e por intermédio do contato e interface com os relatos e experimentos de outras pessoas.
Não pretendo aqui assegurar que o nosso amanhã seja inescrutável, imutável. E que sobre este exerceríamos pouca ou nenhuma influência. Na verdade, ao contrário, gostaria de sugerir uma análise, uma avaliação contínua sobre o quanto utilizamos o nosso poder pessoal, a nossa capacidade de ação para intervir em configurações previamente estabelecidas e ajustadas, e sobre as quais paira uma expectativa de adequação, conformação. Como se a manutenção de um padrão sustentasse o fio condutor de uma longa história que, de tempos em tempos, repete-se ou reafirma-se. E romper este ciclo pode significar a impermanência desta biografia e a sua provável morte.
Há que se pensar na outra possibilidade: a ruptura, a descontinuidade.
Toda esta reflexão pessoal foi suscitada após assistir a “Vidas que se cruzam” (The Burning Plain), de Guillermo Arriaga. O filme me colocou diante de histórias de profunda dor, desamparo, solidão e mutilações. Cicatrizes que foram perpetuadas por mulheres de diferentes gerações. Infelizmente, por não conseguirem se desvencilhar desta sina, mergulharam em uma espécie de feminino desfigurado e, por vezes, completamente dilacerado. Mulheres que fogem de si mesmas e por isto se desencontram e se tornam meros transeuntes na vida. Seguidoras de um script que não lhes pertence e cuja autoria perdeu-se em um passado longínquo.
O filme é belíssimo, apesar da temática muito árdua. Vale assistir e se permitir questionar sobre qual é o nosso papel no mundo. E qual é o caminho que queremos seguir. Ser autora, roteirista e intérprete de sua própria vida; ou viver para cumprir papéis que lhe foram outorgados por outrem.

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