domingo, 24 de outubro de 2010

Em busca da vida perdida


Ultimamente, tenho observado um número cada vez mais crescente de programas televisivos que podem ser considerados como “reality show” e que preconizam, principalmente, o convívio entre pessoas estranhas, em um ambiente confinado por um longo período. O objetivo central é promover uma competição acirrada entre os participantes, em decorrência da disputa por um prêmio que irá conferir ao ganhador fama, status e, sobretudo, muito dinheiro.
E os temas destes programas são os mais diversos. Há quem almeje ser um executivo bem-sucedido, um cabeleireiro famoso, posar nua em revistas masculinas, tornar-se ator ou atriz etc. E, ao longo dos episódios, os participantes assumem papéis a partir de suas histórias e conteúdos muito pessoais que irão se configurar em personagens e estereótipos muito recorrentes em nossa sociedade. Surge, então, aquele que irá personificar o vilão, a mocinha. O amigo, a inimiga. O traidor, a esperta e por aí vai. Confesso que assisti muito pouco a estes programas, no entanto, acompanho o debate na mídia e entre amigos e percebo que, de certa maneira, estes programas instigam as pessoas a se identificarem com os personagens, que na verdade são reais. E de alguma forma passam a “torcer” por um ou por outro.
Como entender este processo?
De fato, para mim, noto que com o advento da Internet e da possibilidade da notícia em tempo real, fomos inseridos em um novo contexto que mantém o indivíduo em contato permanente com o mundo exterior vivo. Como um exemplo contundente, lembro-me do episódio de 11 de setembro, quando ocorreram os ataques terroristas nos Estados Unidos. Pela primeira vez, noticiou-se uma tragédia de proporções descomunais, ao vivo, para todo o planeta. Este era o assunto mais freqüente nas conversas em diferentes lugares: bares, escolas, locais de trabalho, igrejas etc.
E seguiram-se outros episódios. A queda do avião da Air France, talvez por ter decolado do Brasil, provavelmente, gerou uma enorme comoção nacional. Impressionava-me o fato das pessoas conhecerem detalhes da vida pessoal dos acidentados e fazerem especulações acerca do futuro dos parentes dos sobreviventes.
Recentemente, acompanhamos a saga dos mineiros soterrados nas minas do Chile. Novamente, todo o conhecimento tecnológico foi posto à disposição para socorrer as vítimas, mas também para abastecer os espectadores ávidos de informações que pudessem, possivelmente, preencher os vazios de suas vidas. Talvez aí resida a lógica deste processo. Percebo que as pessoas, em nossa sociedade, movem-se em busca de mecanismos que possam mantê-las vivas. Mas não de uma forma saudável, criativa e inspiradora. Elas são sustentadas por sensações, prazeres e estímulos incessantes que camuflam a solidão atroz presente nas grandes cidades. Então, talvez, viver a experiência da dor e perda nas tragédias mundiais, ou acompanhar quase que pessoalmente o desempenho de personagens em programas televisivos, crie a falsa impressão de uma identidade. E mais, manter-se literalmente preso e dependente de uma tela de televisão ou de um computador, de forma assustadoramente passiva, tem gerado uma legião de dependentes de imagens e sensações imagéticas. Segundo um pensador contemporâneo alemão Christoph Türcke, em entrevista a Marcos Flamínio Peres, do jornal Folha de São Paulo, a sociedade da sensação se materializa no fetiche. Para ele, “fetiches são sintomas de abstinências, substitutos de algo de que se foi dolorosamente privado.”
Para ler a entrevista na íntegra, acesse:

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