terça-feira, 5 de outubro de 2010

Tempo para envelhecer



Iniciei, hoje, a leitura do livro recente de Lya Luft: Múltipla Escolha (Ed. Record) e as indagações têm surgido de forma incessante. A autora escreve de maneira contundente e extremamente verdadeira, a tal ponto que pode nos impressionar de certo modo. Chamou a minha atenção o capítulo dedicado à velhice: "Para que "espírito jovem"? Quem nos convenceu de que o nosso espírito de agora é pior, de que toda a experiência nada vale, as descobertas, um mundo que se abriu em tantos anos?"
Segundo a escritora, os valores de nossa sociedade contemporânea demandam um estado de vigilância permanente em prol da beleza, da juventude e do prazer a todo custo. Envelhecer é um verbo a não ser conjugado.
Busca-se ser bela de uma forma homogênea, uniforme. Mulheres recém-saídas de uma linha de produção em série. Perde-se a identidade. O particular e o inusitado dão lugar ao genérico, às mesmices do cotidiano.
Manter-se jovem a qualquer preço deforma corpos, mutila sentimentos e conduz os conflitos psicológicos e as emoções reprimidas aos subterrâneos da psique. Daí a profusão de medicamentos disponíveis no mercado, que visam aplacar aquilo que não pode ser visto, ou dito.
Em nossa cultura midiática atual, prevalecem as sensações mais superficiais e imediatistas. O prazer torna-se algo imprescindível, fugaz e momentâneo e gera distorções de comportamento, desencadeando vícios e compulsões. E, consequentemente, esvaziam-se as relações afetivas.
Não há espaço, assim, para longas conversas, leituras demoradas ou para simplesmente nada fazer. E o que dizer do envelhecimento?
Infelizmente, não nos preparamos para vivenciar a velhice de forma plena e serena. Mesmo porque, ao longo de nossas vidas, está sempre muito presente um sentimento de inadequação.
Ainda não concluí a leitura do livro. No entanto, decidi refletir sobre este capítulo, em particular, movida por uma sincronicidade de eventos. Há duas semanas, pude assistir à peça "As Três Velhas" dirigida e encenada pela grande atriz Maria Alice Vergueiro. Para quem for contemporâneo meu, deve se lembrar do extinto grupo teatral Ornitorrinco, dirigido por Cacá Rosset. A peça é impactante pela irreverência do tema, pela forma como a velhice é abordada e sobretudo pelo fato da atriz Maria Alice, outrora "vedete", mostrar-se em plena forma, com o mesmo brilho do olhar, no auge dos seus 75 anos e sobre uma cadeira de rodas. Recomendo muitíssimo a ida ao Centro Cultural Banco do Brasil para viver esta experiência.
imagem: Schönfeld, Johann Heinrich - Allegory of Time (Chronos and Eros)
Galleria Nazionale d´Arte Antica - Rome

3 comentários:

  1. Liliana!
    Interessante como você navega nas várias vertentes do feminino. Você questiona a falta do olhar sobre a sabedoria no amadurecimento.
    Vivemos no contemporâneo a valorização da estética. Gosto da sua crítica reflexiva. Bjs.Chris.

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  2. Lindas e sutis as descrições das emoções transmitidas pela peça. Eu a assisti (com você) e não percebi nem a metade delas.
    Beijos, Marcelo.

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  3. Oi, Li! O seu texto me fez lembrar do trecho do livro de Yoshi Oida: "O real conhecimento das coisas não é obtido ficando-se na sua superfície, mas unindo-se totalmente a elas (pg. 202)." Quando tendo a viver o lado externo dos acontecimentos, é porque algo me aflige, e prefiro fazê-lo por medo, por receio da vivência que aquilo pode acabar me trazendo...

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